Perdi tantas sandálias na infância
Quanto amores na puberdade.
Perdi brinquedos e bicicletas,
Amigos e automóveis.
(Mas continuo andando,
Não perdi as pernas,
Ainda bem.)
Perdi livros dados
E emprestados.
Livros que já li e nunca lidos,
E discos e discotecas inteiras.
Perdi a cabeça, o coração, o fígado.
Perdi sangue na seringa da vida.
Perdi um pai.
Perdi uma mãe.
Mas não perdi minha mãe,
Essa eu não perdi.
Perdi telefones:
Números e mais números perdidos.
Perdi agendas:
Tantos compromissos perdidos.
Tem gente que passa a vida só se achando
E sempre se acha de tudo.
Mas eu perdi.
Perdi empregos que nunca tive
E sonhos que se tornaram verdadeiros.
Perdi teorias infalíveis
E “receitas mágicas de amor”.
Perdi a carteira,
A identidade,
O cartão de crédito,
E a vontade de voltar pra casa no último ônibus da
madrugada.
(Mas vou andando,
Ainda não perdi as pernas,
Tenho dito.)
Perdi beijos por perder o “time”.
Perdi risos por perder a piada.
Perdi canções por perder a melodia.
Perdi rimas e perdi poesias.
Perdi Tempo,
Essa ilusão completamente real.
Haverá quem sempre se ache.
Eu até já jurei me achar.
Mas eu me perdi.