A boca é uma pulsão de vida.
O ânus é uma pulsão de morte.
Somos um tubo digestivo que pensa,
Em duas frentes, à própria sorte.
Tal qual insignificante deus que caga,
Tudo que é divino em nós: defeca;
Tudo que é defectível em nós: baba;
E transborda desonestidade no "milagre" que nos cerca.
Toda boca tem uma sucção de vida.
Todo ânus tem uma explosão de morte.
O intestino é uma jiboia embevecida,
Que tão sábia ensinou Eva a comer seu dote.
Todos temos na goela mentira e paixão.
Todos temos no estômago alívio e pavor.
Alguns tem a bunda de rabo de pavão,
Outros tem a língua de filme de terror.
Em todo beiço que treme há uma neurose;
Em muitos dentes, uma covardia;
Em todo cu que lateja há um caráter de psicose,
Que para si mesmo prega todo dia.
O ânus é como uma criança que envelhece.
A boca é como um adulto de partida.
A boca também a morte enaltece,
Assim como o ânus, defeca à vida.